ANGOLA GROWING
Vicente Soares, presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Angola

“O ambiente de negócios pode ser bom hoje e amanhã não”  

02 Feb. 2022 Grande Entrevista

Focando-se na agricultura, líder da Câmara de Comércio e Indústria de Angola (CCIA) diz que “não vale a pena mentir”, porque “não é possível” inverter o marasmo actual em que se encontra mergulhada a produção nacional sem hipóteses de competir com países da região. Aponta, entretanto, saídas entre as quais o investimento em infra-estruturas.

“O ambiente de negócios pode ser bom hoje e amanhã não”   

A CCIA tem passado despercebida, ou seja, com uma agenda quase invisível. Onde está o problema?

Não era muito visível, mas hoje é. Basta dizer que, durante a pandemia, foi das associações que mais apareceu realizando actividades.

Que actividades?

Várias. Fizemos formação sobre a identificação de mercados para a exportação de produtos nacionais e também a identificação de mercados com produtos mais competitivos; fizemos conferências sobre agro-indústria com a participação de várias entidades nacionais. Além de conferências internacionais, temos estado a cuidar, em colaboração com outras associações, principalmente, a AIBA, do processo de criação do código de barras nacional e brevemente teremos o lançamento de um estudo realizado com o apoio da Organização Internacional do Trabalho sobre o mercado informal.

Em certa medida, o vosso trabalho toca na problemática da criação da competitividade. É um desafio alcançável para as empresas? A economia angolana não consegue ser competitiva? 

Não consegue ser competitiva não é bem o termo. A competitividade é relativa. Se estiver a competir com um parceiro fraco, não posso ser competitivo; se aparecer um mais forte,  posso ser competitivo, mas não ao nível do meu parceiro. Aqui na região, em temos de competitividade, temos um gigante, a África do Sul.

Que está muito além de Angola, neste particular...

Não estamos em condições de ombrear com os sul-africanos. A competitividade resulta de acções prévias. Você pode tornar-se competitivo, quando conseguir aumentar a produção e a produtividade. E isso consegue-se quer preparando os recursos humanos, quer tendo matéria-prima e meios de trabalho de qualidade.

É exactamente isso o que falta à economia nacional?

Temos de voltar à qualidade. Quer dizer, o que se produz tem de ter qualidade para ser preferido pelo consumidor. Isso leva tempo.

Quanto tempo?

Durante todo o período de guerra, fechámos quase tudo. Recordo que, na zona industrial de Viana, em Cacuaco, ou no Huambo, tudo fechou ou ficou destruído. Como é que se pode ter recursos humanos com qualidade e experiência se essas indústrias estão encerradas ou desapareceram? Note que, quando falo, faço-o com experiência porque já trabalhei no tempo colonial e vi quando a produção teve o seu pico. Acompanhei o desmoronamento de todo o tecido produtivo e agora estou a ver o levantamento do sector produtivo do país.

Neste tempo, o que deve ser feito, em concreto?

O objectivo das associações empresariais e das empresas é ganhar essa capacidade produtiva e competitiva.

Mas como fazê-lo no actual contexto económico?

Neste momento, está mais difícil por razões objectivas. Temos de ser realistas. A situação económica do país não é boa porque nos tornámos dependentes do petróleo, um bocadinho dos diamantes e muito pouco do sector produtivo não ligado aos minerais. Hoje, enquanto se procuravam alternativas para a diversificação da economia, surgiu a pandemia e as coisas pioraram.

Ficando assim também comprometida a diversificação económica...

O factor limitativo mais visível neste momento é a pandemia. Isso reduziu ainda mais a receita das empresas, o que limita a diversificação. Continua a haver atenção para o sector primário a agricultura e a pecuária por parte de todos os interessados, e começam a surgir iniciativas e novos projectos, mas não conseguem ter a dinâmica necessária para inverter o quadro. Portanto, a diversificação vai-se fazendo de alguma forma. Temos de estender a perna à medida do lençol e é o que temos de fazer agora.

O Presidente João Lourenço disse  que já havia uma significativa produção interna mas, de seguida, autorizou a importação de milho para a Reserva Estratégica Alimentar. Não é  um contra-senso?

Não. A reserva tem objectivos definidos. Não é uma importação para criar novas empresas que vão fazer distribuição, mas para equilibrar os preços no mercado.

Não há milho nacional que possa ser comprado pela REA e, desta forma mitigar as importações?

É o que se está a fazer. Se há um programa que pessoalmente acompanho é o Prodesi, porque o Ministério da Economia e Planeamento (MEP) tem o cuidado de fazer balanços periódicos e até diários. Em função disso, há informação da produção do país e a identificação dos produtores que tenham algumas quantidades para serem comercializadas. E o ministério solicita os contactos destes produtores. Quer dizer que a procura desta produção local se mantém, embora ainda não satisfaça a procura interna em termos de consumo. Daí a importação para acrescentar à produção nacional.

Mas há quem diga que o Prodesi não devia ser executado pelos ministérios...

É uma questão que tinha de ser discutida. Considero que nós temos um processo de diálogo público-privado bastante fluído, mas precisa de ser melhorado em algumas questões. A forma como se está a levar o Prodesi eventualmente haverá razões para esta interpretação. Resta saber também qual é a capacidade que o sector privado tem para levar a cabo um projecto desta envergadura. É uma questão que deve ser discutida.

Como define o desempenho do empresário nacional que chegou a ser criticado por João Lourenço por incapacidade de aceder ao crédito de um banco estrangeiro?

O problema não é definir apenas se o empresário tem ou não capacidade. É preciso analisar quais os requisitos para se aceder a estas linhas de crédito. Estamos a falar da capacidade de aceder ao crédito bancário. Esse foi sempre o problema.

Porquê?

O dinheiro que o banco empresta não é seu é dos clientes. E o banco precisa de conferir se o empréstimo terá retorno para minimizar o risco. É um problema contínuo. Você empresta dinheiro a alguém que não é seu, tem de informar ao dono que quem recebeu o valor tem capacidade de o dar de volta. Portanto, a credibilidade do empresário dono do projecto, as garantias de cobertura da dívida e a situação da legalidade da empresa são aspectos que o nosso empresário, em grande medida, não tem. O capital de entrada no projecto também é outra maka, porque não o tem. Estas condições todas levam algum tempo para que as empresas tenham robustez. Aliás, em Angola temos empresários há quanto tempo? O país já tinha empresários desde o tempo colonial, mas que empresário temos agora? A maioria foi-se embora.

E os que cá ficaram são incompetentes, é isso?

O problema de acesso ao crédito é mundial. Por isso é que, para aqueles que começam agora, a via para arrancarem não é a banca, mas o capital de risco, que provém dos chamados ‘anjos’, que têm dinheiro e procuram projectos bons para aplicar.

Como conseguir esses investidores?

É um trabalho que tem que ver com a criação de condições, um ambiente de negócios favorável. Geralmente investem em projectos que têm retorno rápido. Chega ao país, identifica projectos, monta a estratégia, faz concurso, ouve pessoalmente, manda fazer uma demonstração  e acompanha ou manda acompanhar através de uma equipa de gestão e, sobretudo, avalia o ambiente de negócios, retira o seu dinheiro e você continua o negócio.

Existe esse ambiente de negócios aqui para atrair esses ‘anjos’?

O ambiente de negócios pode ser bom hoje e amanhã já não ser. Isso é como na indústria petrolífera, em que, bastou um presidente ameaçar o outro, o preço do petróleo sobe ou desce bruscamente. O ambiente de negócios também se comporta da mesma forma, é variável. O que se tem feito é tentar melhorar os vários aspectos que têm que ver com o ambiente de negócios para que o investidor se sinta atraído a  colocar aqui o seu dinheiro, em vez de avançar para outro país, e isso passa pela limitação da burocracia e da xenofobia. Se o investidor chega ao país e é ameaçado a todo o momento, não há paz e o papel dos sindicatos na monitorização das greves é quase nulo, o investidor foge.

No caso de Angola…

Neste momento, digamos que as condições objectivas são gerais, de todo o mundo. Todos os países que produzem petróleo estão em crise.

Se as startups têm de esperar pelos ‘anjos’, onde coloca o papel dos bancos comerciais?

Os ‘anjos’ não são para o crescimento das empresas. São mais para startups, para fomentar empresas. As novas empresas que estão a arrancar agora não têm histórico que permita à banca fazer análise de que o risco de emprestar é baixo. Em contrapartida, as empresas que têm histórico no mercado podem ir à banca. Aqui há várias formas: ou empréstimos bancários ou ainda, no caso de sociedades anónimas, por exemplo, podem ter acesso a empréstimos ou a financiamentos por via da bolsa de valores. Estou a falar de empresas com um bom nível de organização e contabilidade em dia.

Falemos da agricultura. Como dinamizá-la?

Não vale a pena mentir! Estamos a falar de um sector da economia real! Ninguém vai conseguir, de um momento para outro, transformar o potencial que o país tem em produtos. Isso não é possível!

Porquê?

Duas questões prévias: não posso pegar num jovem e torná-lo, de um dia para outro, num jornalista. Já imaginou transformar esse país a produzir o suficiente para abastecer o mercado interno? Vai levar anos! Aliás, quando estamos a falar na agricultura de 1973 que foi mais ou menos o ‘boom’ do sector agrícola, isso levou anos a criar pelos angolanos e portugueses que cá estiveram. Foi necessário formar pessoas e condições materiais para essa empreitada.

E qual é o horizonte previsto  para se acabar com a grande dependência das importações?

Às vezes cometemos o erro de traçar os horizontes, fechando os olhos e, quando abrimos, achamos que em 10 ou 15 anos é possível uma viragem. É preciso um estudo macro que tem de ser feito pelas universidades, e o próprio MEP, porque estudos isolados não servem para estimar a viragem do quadro que deve mudar no sentido positivo. Temos de falar com base em dados fiáveis. Mas, para aumentar a produção, são necessárias infra-estruturas, como estradas, transporte para escoar os produtos do campo para os locais de consumo, e a distribuição ou a logística, bem montadas.

O que lhe parece o projecto de uma nova divisão administrativa do país? É por aí que se corrigem as assimetrias?

A questão é, quando estamos numa comunidade superlotada, fica difícil a prestação dos serviços do Estado. Onde há poucas pessoas dispersas também. Na Quiçama, por exemplo, onde estive a administrar, fica difícil criar uma escola para 50 pessoas, porque há muita dispersão. Há comunidades com apenas 15 pessoas. Aqui em Luanda, no Cazenga, onde há muita gente, também se torna difícil. Então, temos de encontrar meio-termo.

E sobre a corrupção?

É um outro problema. A corrupção é um grande inimigo do ambiente de negócios. Temos corrupção e temos de ter também a coragem de dizer que hoje há um combate a esse mal.

Está a ser bem conduzido?

Se está a ser bem conduzido, vamos ver os resultados. Mas, pelo que me é dado a ver, está a ser bem combatido.

O que vê?

As pessoas que estão a ser julgadas. Até 2017, nunca vi nenhuma acção concreta de combate a esse fenómeno.

Perfil“O ambiente de negócios pode ser bom hoje e amanhã não”   

Gestor público e privado

Nascido na  Quiçama, em 1967, aos 12 anos, mudou-se para Luanda para prosseguir os estudos. Em 2008, formou-se em Engenharia Química na Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto. Foi militar da Força Aérea, e  funcionário da Direcção de Operações Internacionais do BNA. Em 2001, entrou na Vinul, onde chegou a director, e dirigiu ainda a  Covip, também do grupo Vininorte, e que detém também a Sovinca, em Cabinda. Pós-graduado em gestão bancária, foi por três anos administrador da Quiçama até Junho de 2019, antes de assumir a liderança da câmara.